Artigos

Instituto Acolher se dedica à assistência psicológica e espiritual de religiosos e sacerdotes

Por Fernando Geronazzo (1)

O cuidado com a saúde mental é uma preocupação crescente nos vários âmbitos da sociedade, inclusive dentro da Igreja, entre clérigos e religiosos que lidam com pessoas em situação de fragilidade psicológica, mas eles também necessitam de atenção e acompanhamento.

É por essa razão que, há 22 anos, nasceu, do esforço conjunto de um grupo multiprofissional (psicólogos, psicanalistas e religiosos), o Instituto Acolher (ITA), dedicado à assistência psicológica e à integração espiritual de religiosos, sacerdotes e leigos.

Além do atendimento psicoterápico e espiritual, o ITA oferece assessorias e formação preventiva para dioceses e institutos de vida consagrada; também organiza e supervisiona atividades destinadas à formação de seus próprios membros e de outros profissionais interessados em aprimoramento profissional e teórico.

Maria Ondina da Silva Peruzzo, vice-diretora do ITA, explicou que o instituto nasceu a partir da demanda de membros de congregações religiosas que reclamavam da dificuldade para encontrar nos consultórios psicoterápicos convencionais um atendimento que considerasse a especificidade da vida consagrada, como a vida espiritual e a dimensão vocacional, o que dificultava sua acolhida e acompanhamento em uma perspectiva integral.

SUICÍDIO

Foi nessa perspectiva psicológica, espiritual e vocacional que o ITA realizou, nos dias 21 e 22 de outubro, um simpósio on-line sobre o tema: “Suicídio: acolher para prevenir”. O evento voltado para profissionais da saúde mental, superiores religiosos, formadores de seminários, sacerdotes, consagrados e coordenadores de comunidades aprofundou a reflexão sobre o suicídio no contexto da vida religiosa e presbiteral, com a ajuda de especialistas nas áreas da psicologia e espiritualidade.

Embora os casos de suicídios cometidos por clérigos e religiosos sejam isolados (cerca de 0,0007% dos casos no Brasil), esse assunto não deixa de ser motivo de atenção dos superiores e formadores, na busca de meios cada vez mais eficazes de prevenir esse mal e garantir o bem-estar emocional dos consagrados e ministros.

O evento foi aberto pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, que enfatizou a importância de se refletir sobre um tema “delicado, atual e necessário”. Ele lamentou que o fenômeno do suicídio também atinja, mesmo que em proporção menor, clérigos e religiosos, como reflexo de uma situação presente em toda a sociedade.

“Vivemos em um tempo cheio de interrogações”, afirmou Dom Odilo, ressaltando que quando tais situações acometem pessoas que, em geral, possuem uma formação humana, espiritual e moral sólida, muitos questionamentos podem ser feitos a respeito das condições de sua saúde psicológica e dos “mistérios profundos da pessoa humana”, aos quais não cabem juízos, mas, sim, atenção, ajuda e misericórdia.

O Arcebispo sublinhou a necessidade de se estar atento aos eventuais fatores de risco e intervir enquanto é possível. Ele também falou da importância de se desenvolver, desde o período formativo, os meios necessários para um amadurecimento humano e espiritual.

A esse respeito, as diretrizes da Santa Sé para a formação sacerdotal, publicadas em 2016, enfatizam que os futuros padres devem cultivar uma vida interior marcada pela oração e a vivência sacramental, que ajude a “crescer na fortaleza de ânimo e aprender as virtudes humanas” essenciais para um desenvolvimento integral. Nesse aspecto, considera-se essencial que, assim como é recomendado a todos os fiéis, os sacerdotes e religiosos tenham um orientador espiritual com o qual possam partilhar as alegrias e tristezas de sua caminhada, e do qual poderão receber conselhos que os ajudem a enfrentar as dificuldades e progredirem na vida interior. As diretrizes não excluem que, em certos casos, também seja necessário um específico acompanhamento psicológico.

Dom Odilo salientou, ainda, a importância de se fomentar ambientes seguros que ajudem a prevenir eventuais fatores de risco, como o cultivo de relações humanas sadias, que evitem a solidão e o fechamento. “Quando a solidão não é assumida como parte integrante de uma dimensão mística, pode se tornar opressiva”, observou, referindo-se ao fato de que a condição celibatária deve ser compreendida como uma entrega a Deus e um dom colocado a serviço dos irmãos e não um isolamento.

PREVENIR

Um dos conferencistas foi o Padre Lício de Araújo Vale, Sacerdote da Diocese de São Miguel Paulista e membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio, que ressaltou que o suicídio é um assunto considerado tabu, mas precisa ser abordado nas famílias, escolas e igrejas. O Presbítero enfatizou que é preciso compreender que “a pessoa que fala ou pensa em suicídio não quer, de fato, pôr fim à sua vida, mas acabar com a sua dor”.

“A pessoa que sofre precisa ser ouvida e se sentir acolhida, por menor que seja a causa daquilo que a faz sofrer”, reforçou Padre Licio, sublinhando que “a dor não expressa perdura até que a pessoa não a suporte mais”.

É nesse sentido que, também no contexto da vida religiosa e presbiteral, a escuta, acolhida, acompanhamento humano e espiritual são imprescindíveis para prevenir patologias psíquicas que possam levar ao suicídio.

FORMAR

Os profissionais do ITA sublinharam que é importante ter claro que o suicídio é uma consequência extrema de situações que podem ser prevenidas quando é dada a devida atenção para sinais de desestabilidade emocional ou patologias psíquicas. Não podem ser desconsideradas situações como estresse, ansiedade, depressão, dependência medicamentosa e outras condições que, se não forem cuidadas, podem levar a problemas mais graves.

Por isso, o ITA se dedica a estudos sobre os problemas que afetam diretamente a vida dos consagrados e ministros, tendo constante contato com instituições semelhantes em outros países, como os Estados Unidos e Canadá. Nesse sentido, o diretor do instituto, Padre Adalberto Wojciech Mittelstaedt, salientou a necessidade de ampliar esse tipo de serviço no Brasil, somando esforços com organismos como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB).

(1) Artigo publicado no dia 18/11/2022 no jornal "O São Paulo", da Arquidiocese de São Paulo.

...

A vida consiste em acolher os espinhos

Elizete Moura dos Santos, fsp (1)

Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos juntavam-se em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que forneciam calor. Por isso, tornavam a se afastar uns dos outros, mas morriam congelados. Urgentemente precisaram fazer uma escolha: desapareceriam da face da Terra ou aceitavam os espinhos do semelhante. Para sobreviver, decidiram voltar e ficar juntos.

Inspirado nos dilemas da socialização humana, o filósofo alemão Artur Schopenhauer (1788-1860), em poucas, mas instigantes palavras, ressalta a desafiante aventura que é a convivência em grupo. A parábola do porco- espinho se torna assim bastante conhecida.

Na relação entre os porcos-espinhos, dois movimentos foram importantes: a socialização e o desenvolvimento. Do latim socius, o primeiro movimento, remete-nos à noção de ser “companheiro”, “seguir, ir junto, acompanhar”; já o segundo, significa “rolar, fazer girar”, do latim volvere. Para seguir é preciso se envolver numa luta comum pela sobrevivência.

Os espinhos precisam ser aceitos - Freud, o criador da psicanálise, em seu texto sobre a Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), costumava se utilizar dessa parábola para explicar o constante movimento que os porcos-espinhos fizeram para aprender duramente a conviver. Embora a proximidade os ferisse, o calor os mantinha vivos e protegidos. Pois a essência da vida consiste em acolher os espinhos uns dos outros.

O desenvolver as habilidades próprias da convivência social, tornava a relação possível de ser suportada. Desse modo, o companheirismo era o que fazia a dinâmica da vida girar num diálogo comum e recíproco, mesmo em meio às dificuldades. Aprender a aproximar-se uns dos outros foi imprescindível para mantê-los vivos.

O reflexo da socialização é sinal de desenvolvimento – num percurso árduo e, por vezes, complexo surgem as adversidades geradas pelas inúmeras influências. O mistério do desenvolver-se humano perpassa não apenas pela força da hereditariedade, nem só pelo meio em que se vive, mas abrange o crescimento orgânico e a maturação neurofisiológica – componentes que se unem para integrar as travessias da vida, num espinhoso processo que se constrói no decorrer das relações humanas.

A dinâmica da vida, desde o seu início, vai se constituindo no seio de um pequeno grupo social que se chama família. Para as teorias psicológicas, o desenvolvimento humano implica os aspectos físico-motor, intelectual, afetivo- emocional e social. Um fazer que se solidifica na integração das habilidades humanas.

Pedagogos, filósofos e psicólogos, de diferentes abordagens, buscam compreender sobre o complexo desenvolvimento humano. No rigor de suas teorias um desafio se manifesta: a convivência social. O desenvolver-se da vida consiste em saber conviver com as diferenças.

Na filosofia da vida – a imagem e a linguagem que o outro é capaz de emitir vão muito além da simples compreensão. Não é apenas uma ligação propriamente biológica ou a pessoa que a princípio conheço no âmbito figurado das relações sociais, nele há um mistério e nada pode transpor sua alteridade.

Quando as relações “viram nó, deixam de serem laços”. Ao parafrasear o poeta Mário Quintana, podemos afirmar que os laços de humanidade se fortalecem pelo respeito às diversidades, contrário às rupturas sociais que fragilizam o desenvolvimento humano, impedindo que a subjetividade humana se enriqueça.

As etapas, os processos ou estágios da vida nada mais são do que a necessidade de lançar reflexões sobre o comportamento humano. Desenvolver-se para além dos próprios “espinhos” consiste em manter a beleza que se manifesta nas relações com o outro que em nada se assemelha ao eu.

A responsabilidade, o amor e a justiça pertencem aos seres que, mesmo feridos pelos espinhos da vida, conseguem compartilhar o melhor de si. A linguagem humana se torna plena quando se revela na essência de sua hospitalidade, assim como o afeto aquece e enobrece o coração humano.

(1) Elizete Santos, fsp - Membro da Pia Sociedade Filhas de São Paulo (Irmãs Paulinas); Licenciada em Filosofia; Psicóloga Clínica – CRPSP-06/177899; Especialista em Adolescência e Juventude; Associada ao Corpo Freudiano Escola de Psicanálise de João Pessoa/PB.